O fim da quadra chuvosa costuma trazer preocupações para quem vive no Interior do Estado. Para alguns municípios cearenses, a Operação Carro-Pipa (OCP), administrada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), do Governo Federal, por meio do Exército Brasileiro, é fundamental para garantir o abastecimento de todas as suas localidades.
De acordo com o MDR, atualmente, o Ceará possui 25 municípios com situação de emergência reconhecida pela Defesa Civil Nacional, 22 por estiagem e três por seca (Morada Nova, Parambu e Quiterianópolis). Ao todo, no Estado, 30 municípios estão sendo atendidos pela OCP, o que corresponde a 16% do total (184 municípios).
Das 22 cidades em situação de estiagem, 20 estão com a OCP em execução. Segundo o MDR, Aiuaba e Arneiroz são os únicos em situação de estiagem que ainda não estão recebendo a OCP, mas ambos já solicitaram a inclusão e aguardam a conclusão do processo.
Ainda conforme a pasta, dos três municípios em situação de seca, Morada Nova e Parambu estão com a OCP em execução, entretanto, Quiterianópolis consta como "excluído" da operação, por falta de reconhecimento federal da situação de emergência, mesmo o município constando em situação de emergência reconhecida pela Defesa Civil Nacional.
Por meio da Defesa Civil de Quiterianópolis, a Prefeitura informou que ainda há a necessidade de a OCP atuar na cidade, e que "já foi feito todo o processo para que o município fosse caracterizado em situação de emergência".
De acordo com a Defesa Civil do município, o Exército Brasileiro, por meio do 40º Batalhão de Infantaria - Batalhão Sertão, afirmou que não há prestadores de serviço (pipeiros) disponíveis para o município. Ao todo, cerca de 95 comunidades não possuem água encanada em Quiterianópolis, o que faz com que, pelo menos, 12 mil pessoas dependam do abastecimento de carros-pipa.
Segundo Joel Macedo, coordenador da Defesa Civil de Quiterianópolis, a Prefeitura disponibiliza dois carros-pipa para atenderem a população mais necessitada e aguarda que o Exército disponibilize, pelo menos, mais dois caminhões.
"Era pra ter começado no último dia 3, a previsão do Exército, agora, é pra depois do dia 20. Nos falaram que os pipeiros cadastrados não apareceram para a vistoria. Agora, estão completando carros para outros municípios, se sobrarem dois, vão mandar pra cá", explica.
Macedo relata que, apesar do déficit no número de caminhões, o abastecimento tem sido realizado de maneira organizada pela Prefeitura, para que nenhuma localidade tenha seu abastecimento comprometido por completo. "A crise hídrica existe, mas estamos nos virando sem eles mesmo (Exército). Já falei com dois motoristas de Independência, que devem nos ajudar em breve."
A reportagem buscou contato com o Exército Brasileiro, por meio dos contatos do 40º Batalhão de Infantaria - Batalhão Sertão, assim como do 23º Batalhão de Caçadores - Batalhão Marechal Castello Branco, mas não teve os e-mails respondidos até a publicação deste material.
SRH: Situação hídrica melhora nos últimos cinco anos, mas quadro ainda é de alerta
A atual situação hídrica do Estado exige que o poder público se mantenha em alerta, segundo Francisco Teixeira, secretário dos Recursos Hídricos do Ceará. Entretanto, Teixeira destaca que as condições já foram bem mais adversas durante a última década.
"Estamos com 36% das nossas reservas hídricas. Nos anos de 2016 e 2017, chegamos a ficar entre 6% e 7%. De toda forma, ainda estamos em uma situação de alerta. De setembro até janeiro, é comum que os reservatórios só percam água."
De acordo com o secretário, a expectativa é de que, até o fim do ano, com a falta das chuvas, o que é comum para o período, a reserva hídrica sofra uma queda de 6%. Ainda segundo Teixeira, os maiores aportes devem ser registrados apenas em março de 2023.
"Estamos em uma situação alentadora, pois já estivemos bem piores nessa última década. Entretanto, há uma distribuição muito irregular das reservas hídricas", relata.
Teixeira afirma que o Sertão Central é uma das regiões que mais exige atenção no momento. Com apenas 11% de reserva hídrica, a bacia do Banabuiú passa por uma retenção de água em seus reservatórios, para garantir o abastecimento humano.
Questionado sobre as bacias que apresentam as situações mais preocupantes, além do Banabuiú, o secretário listou outras três: Sertões de Crateús, que atualmente está com 17% de suas reservas; Curu, com 20%, e Médio Jaguaribe, com 22%.
Sobre a situação de Fortaleza, a expectativa da SRH é de que a Capital consiga se manter sem a ajuda do Castanhão até, pelo menos, o fim de 2023. Atualmente, a bacia Metropolitana está com 78% da capacidade. Desde o mês de março deste ano, as águas do Castanhão já não estão sendo utilizadas para abastecerem a Capital cearense.
Desinteresse dos pipeiros pela OCP pode agravar situação hídrica
Mesmo sendo uma ação de assistência humanitária fundamental, o cumprimento do programa encontra-se ameaçado, isso porque muitos pipeiros têm perdido o interesse em trabalhar para a Operação Carro-Pipa (OCP). A categoria alega que a demora no repasse dos pagamentos e a baixa remuneração têm feito com que muitos pipeiros desistam de seguir na área.
Em novembro de 2021, O POVO já havia mostrado a insatisfação da categoria. O então presidente do Sindicato dos Pipeiros do Estado (Sinpece), Everardo Bezerra, afirmou que muitos colegas estavam vendendo os tanques de água dos caminhões e migrando para o transporte de madeira no Norte do País.
Quase um ano após as declarações de Everardo, o sindicato já não possui representantes oficiais. O ex-presidente abandonou o posto e diz não ter mais contato com os pipeiros que seguem na área.
De acordo com o coordenador da Defesa Civil de Canindé, Júnior Mourão, que lida diretamente com pipeiros, desde a saída de Everardo "ninguém quis assumir a responsabilidade de ficar representando a categoria". Mourão destaca que o cenário de insatisfação quase não mudou durante o último ano.
"Eles ainda questionam bastante a questão dos atrasos no pagamento. Pagam um (mês) e deixam um faltando. Pagaram julho, mas ainda está faltando agosto", explica.
Para José de Sousa, 32, que trabalha como pipeiro desde 2013, a desvalorização do trabalho é desestimulante. "Já pensei muitas vezes em desistir, por conta dos pagamentos atrasados. Tem dia que a gente desanima e dá vontade de largar", relata.
Sousa explica que, nos últimos meses, houve uma melhora na velocidade dos pagamentos da categoria. O pipeiro afirma que, atualmente, tem recebido o dinheiro cerca de 20 dias após prestar contas com o Exército. Entretanto, ele acredita que é preciso uma maior valorização salarial da categoria.
"O diesel tá muito caro, a gente não lucra quase nada. O caminhão já é um investimento alto, passamos um mês trabalhando, e o diesel leva tudo. Por isso, muita gente desistiu", afirma.
Sobre a reclamação dos pipeiros, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) afirma que a remuneração da Operação Carro-Pipa (OCP) é realizada pelo Exército Brasileiro, competindo ao MDR o repasse dos recursos para atender ao Termo de Execução Descentralizada (TED) celebrado entre os dois órgãos.
Ainda de acordo com o MDR, todos os repasses estão regulares e são realizados mensalmente, com base na solicitação do próprio Exército Brasileiro, que faz uma previsão de recursos para o mês subsequente, de toda a OCP, em todos os estados de atuação.
Em 2022, a dotação do programa foi de cerca de R$ 409 milhões, dos quais R$ 406 milhões já foram repassados. Do montante total, R$ 68 milhões foram direcionados para o atendimento de municípios do Ceará.
De acordo com Francisco Teixeira, secretário dos Recursos Hídricos do Ceará, o Governo do Estado busca diminuir a dependência de carros-pipa durante os próximos anos, mas reconhece que não há como afirmar que em breve o Estado já não dependerá desse tipo de abastecimento.
A principal aposta da pasta é o projeto Malha D'água, apresentado pelo então governador Camilo Santana (PT), no último mês de março. De acordo com o secretário, a primeira etapa do projeto contemplará a construção de uma adutora com cerca de 700 quilômetros, saindo do açude do Banabuiú e levando água a nove sedes municipais e 38 distritos cearenses.
Os municípios contemplados inicialmente serão Senador Pompeu, Pedra Branca, Mombaça, Irapuan Pinheiro, Milhã, Piquet Carneiro, Solonópole, Jaguaretama e Banabuiú. Segundo Teixeira, cerca de 300 mil cearenses deverão ser beneficiados com a obra.
Questionado sobre o andamento e o fim das obras, Teixeira informou que "a primeira parte já está iniciando", mas não precisou datas sobre o início e o fim dos trabalhos.
O POVO também buscou o Exército Brasileiro sobre a questão dos pagamentos dos pipeiros e aguarda resposta. A matéria será atualizada tão logo a demanda seja respondida.
Sobre o assunto
Confira a lista dos 25 municípios com situação de emergência reconhecida pela Defesa Civil Nacional:
ESTIAGEM (22) – Acopiara; Aiuaba; Arneiroz; Canindé; Caridade; Caucaia; Choró; Crateús; Deputado Irapuan Pinheiro; Independência; Itapagé; Itatira; Jaguaretama; Milhã; Mombaça; Monsenhor Tabosa; Pedra Branca; Potiretama; Quixadá; Salitre; Solonópole; Tauá
SECA (3) - Morada Nova; Parambu; Quiterianópolis
Confira a lista dos 30 municípios atendidos pela Operação Carro Pipa (OCP), segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR):
1 - Acopiara
2 - Araripe
3 - Boa Viagem
4 - Campos Sales
5 - Canindé
6 - Caridade
7 - Catunda
8 - Caucaia
9 -Choró
10 - Crateús
11 - Dep. Irapuan Pinheiro
12 - Independência
13 - Itapajé
14 - Itatira
15- Jaguaretama
16 - Jaguaribara
17 - Madalena
18 - Milhã
19 - Mombaça
20 - Monsenhor Tabosa
21 - Morada Nova
22 - Palmácia
23 - Parambu
24 - Pedra Branca
25 - Potiretama
26 - Quixadá
27 - Quixeramobim
28 - Salitre
29 - Solonópole
30 - Tauá
Volume Armanezado por bacia hídrica no Ceará:
B. Jaguaribe: 91,4%
Coreaú: 84,8%
Acaraú: 78,3%
Metropolitana: 78%
Litoral: 70,2%
Ibiapaba: 58,9%
Salgado: 52,7%
A. Jaguaribe: 47,1%
M. Jaguaribe: 22,1%
Curu: 20,5%
S. Crateús: 17,6%
Banabuiú: 11,4%
Fonte: O Povo
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